Eu, Ann e Lígia, decolamos cedo para Altamira, onde passamos o dia arrumando o apartamento em que esta ficaria.
Entre uma faxina e outra eu atendia o celular: eram deputados ou amigos querendo saber as quantas andava a carruagem.
Ainda no sábado, por duas vezes, instamos a Governadora a conversar com o Deputado Jader.
A primeira, à tarde, quando recebi um telefonema do Puty participando-me que Sua Excelência não concordara em lançar uma chapa a partir da 1ª vice-presidência.
Respondi-lhe que nós também mantínhamos a posição. Brinquei, dizendo que não tivéramos competência suficiente para resolver o impasse, portanto deveríamos deixar as instâncias superiores tentarem se entender.
O Puty retrucou, no mesmo tom, que quando eu escrevesse as minhas memórias eu deveria dizer que, ao menos, tentáramos.
O Deputado Jader escutava-me a fala. Narrei-lhe a fala do Puty. Após ouvir, ele fez um gesto com as mãos e sentenciou que deveríamos esperar os próximos movimentos.
Lembrei-me do Rui Barata, em Pauapixuna: "O tempo tem tempo de tempo ser".
A segunda investida na conversa de Sua Excelência com o Deputado Jader se deu no mesmo sábado à noite, quando o Deputado Juvenil entrevistou-se com ela: a Governadora aquiesceu e disse que o convidaria no Domingo.
Eram 21H42M. Os motores Pratt & Whitney que a Beechcraft incrustou nas asas do elegante King Air, rugiram vigorosos quando o manche comandou a decolagem.
À medida que as luzes de Altamira abaçanavam, as lágrimas de Ann brotavam: estávamos deixando a nossa filha caçula na cidade.
Tomei-lhe a mão e lembrei-lhe Gibran: “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma”. Ela sorriu, mas as lágrimas continuaram a chorar.
Pousamos em Belém por volta das 23H00M. O Deputado Juvenil esperava-me em sua residência, de onde o Deputado Jader acabara de sair, vindo da casa da Governadora.
À mesa, servia-se a ceia. O Deputado Juvenil postava-se, sorridente, à cabeceira: a conversa da Governadora com o Deputado Jader houvera transcorrido alvissareiramente.
Ao fim da narração, conclui que a conversa fora longa no geral, mas, no objeto da audiência ela se resumira à reincidência do impasse. Não consegui alcançar onde estavam, então, as alvíssaras do encontro.
Pedi ao Deputado Juvenil que me ministrasse o que eu não houvera decifrado, ao que ele respondeu que achara que a cordialidade da conversa encaminhava uma solução na qual a Governadora acabaria cedendo aos fatos, aceitando a chapa.
Postava-se tão bem a mesa, e o Deputado Juvenil sorvia-lhe com tal apetite, que eu não quis verbalizar o que conclui para não lhe por fel nos talheres.
Olhei para Ann: ambos intuímos que a Governadora ficara em casa apostando que o Deputado Jader cederia aos seus apelos, e este partira de lá achando que ela aceitaria os seus argumentos.
A nossa telepatia foi interrompida pelo toque do celular do Deputado Juvenil: era o fel que eu não lhe desejei como tempero.
- É a Governadora! Anunciou ele.
Fez-se silêncio. Ouvia-se a voz de Sua Excelência ao alto falante do celular, mas não se conseguia decifrar-lhe a fala.
O Deputado Juvenil, na delicadeza de nos por a par do diálogo, repetia alguns trechos da fala de Sua Excelência, que, para ela, soavam como interlocução e para nós como peças na formação da mensagem.
Ao fim, a governadora brincou de lá, em um trocadilho astutamente malicioso a respeito da escolha que deveríamos fazer. O Deputado Juvenil devolveu de cá e despediram-se.
Resumiu-nos o diálogo naquilo que já entendêramos pelas intercalações ouvidas e fez-se um déjà vu: exceto pelo tom mais leve, a fala da Governadora voltou ao mesmo conteúdo da sexta-feira pela manhã.
Ela foi mais adiante: o Deputado Juvenil teria o suporte do Palácio dos Despachos, desde que afastasse o PSDB da 1ª vice-presidência; e não aceitava fazer chapa alguma pela metade.
Vimos isto como uma falange perfilada nos portões do Palácio dos Despachos rumo ao Palácio da Cabanagem.
Alguém, no núcleo do Governo, talvez, não aceitara esperar para a segunda o ultimato que poderia ser dado no domingo, e instara a Governadora a vir ao centro do palco de operações para instigar o Deputado Juvenil a ceder: isto foi conclusão nossa, para tão repentina atitude.
Já estávamos do outro lado da meia-noite: era 01H20M da segunda-feira quando o Deputado Jader Barbalho nos abriu a porta da sua residência e nos conduziu ao seu gabinete.
Narrou-se a conversa do Deputado Juvenil com a Governadora pouco tempo antes. O Deputado Jader, que sempre ouve sem maiores expressões no rosto, denunciou um franzir de testa: isto significa, no seu código de expressões, pintura para guerra.
Iniciou, o Deputado Jader, a sua deliberação, exordiando com o que fizera para ser realidade a candidatura da então Senadora Ana Julia; de como convencera o Deputado Priante a abdicar de uma vaga certa na Câmara Federal e compor o planejamento que poderia levá-la ao Palácio dos Despachos, planejamento este que envolveu o Gabinete Presidencial do Palácio do Planalto na operação, para, ao final, ser benzido pelo Presidente da República.
Passou para a narração, onde elencou fatos que, já durante o Governo, preferiu não contestar como tangência de termos do acordo feito, na presença de todos nós, e assumidos por Sua Excelência, no prédio do Diário do Pará.
Finou esta parte sublinhando o suporte que sempre o PMDB deu ao Palácio dos Despachos desde o Palácio da Cabanagem.
Pinçou da narração as provas de que as nossas atitudes não autorizavam o tratamento que vínhamos recebendo e o ultimato que nos fora oferecido.
A peroração veio seca: não havia motivos para ceder. Não cederíamos. A nossa oposição seria diretamente proporcional à disposição do Governo de romper.
Às 02H30M descíamos o elevador vestidos com a resolução do Presidente Regional do PMDB.
Despedi-me do Presidente Juvenil com o compromisso de estarmos cedo no Gabinete Presidencial do Palácio da Cabanagem.
Quando entrei no quarto Ann, que eu deixara em casa à caminho da residência do Deputado Jader, despertou e sentou-se à beira da cama com a mesma pergunta nos olhos sonolentos.
Respondi com um teatro que sempre faço a ela quando vamos enfrentar ventanias, que consiste em coreografar uma marcha e entoar a primeira estrofe da Canção do Exército, que eu cantava todo 7 de setembro quando desfilava, em Tucuruí, pelo Grupo Escolar Arquimedes Pereira Lima:
“Avante, camaradas!
Ao tremular do nosso pendão
Vençamos as invernadas
Com fé suprema no coração."
Perto dos 30 é que eu fui saber que o hino “Avante Camaradas”, sempre tocado em cerimônias militares, na verdade foi composto, por Antonio do Espírito Santo, para a Coluna Prestes, nos anos 20, e o Exército se apropriou dele. Mas isto é outra história.
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