15 de dez. de 2008

A POBRESA DOS RICOS
Cristovam Buarque

Em nenhum outro país os ricos demonstraram mais ostentação que no Brasil.
Apesar disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres porque compram
sofisticados automóveis importados, com todos os exagerados equipamentos
modernidade, mas ficam horas engarrafados ao lado dos ônibus de
subúrbio. E, às vezes, são assaltados, seqüestrados ou mortos nos
sinais de trânsito. Presenteiam belos carros a seus filhos e não voltam
a dormir tranqüilos enquanto eles não chegam em casa. Pagam fortunas
para construir modernas mansões, desenhadas por arquitetos de renome,
e são obrigados a escondê-las atrás de muralhas, como se vivessem nos
tempos dos castelos medievais, dependendo de guardas que se revezam em
turnos.
Os ricos brasileiros usufruem privadamente tudo o que a riqueza lhes
oferece, mas vivem encalacrados na pobreza social. Na sexta-feira, saem
de noite para jantar em restaurantes tão caros que os ricos da
Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o apetite diante da
pobreza que ali por perto arregala os olhos pedindo um pouco de pão;
ou são obrigados a ir a restaurantes fechados, cercados e protegidos
por policiais privados. Quando terminam de comer escondidos, são
obrigados a tomar o carro à porta, trazido por um manobrista, sem o
prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou teatro, depois continuar
até um bar para conversar sobre o que viram. Mesmo assim, não é raro que o
pobre rico seja assaltado antes de terminar o jantar, ou depois, na
estrada a caminho de casa. Felizmente isso nem sempre acontece, mas
certamente, a viagem é um susto durante todo o caminho. E, às vezes, o
sobressalto continua, mesmo dentro de casa.
Os ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas que
acumulem no presente, são pobres na falta de segurança para usufruir o
patrimônio no futuro. E vivem no susto permanente diante das incertezas em
que os filhos crescerão. Os ricos brasileiros continuam pobres de tanto
gastar dinheiro apenas para corrigir os desacertos criados pela
desigualdade que suas riquezas provocam: em insegurança e
ineficiência.
No lugar de usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte
considerável do dinheiro nada adquire, serve apenas para evitar perdas.
Por causa da pobreza ao redor, os brasileiros ricos vivem um paradoxo:
para ficarem mais ricos têm de perder dinheiro, gastando cada vez mais
apenas para se proteger da realidade hostil e ineficiente. Quando
viajam ao exterior, os ricos sabem que no hotel onde se hospedarão
serão vistos como assassinos de crianças na Candelária, destruidores da
Floresta Amazônica, usurpadores da maior concentração de renda do
planeta, portadores de malária, de dengue e de verminoses. São
ricos empobrecidos pela vergonha que sentem ao serem vistos pelos olhos
estrangeiros.
Na verdade, a maior pobreza dos ricos brasileiros está na incapacidade de
verem a riqueza que há nos pobres. Foi esta pobreza de visão que
impediu os ricos brasileiros de perceberem, cem anos atrás, a riqueza
que havia nos braços dos escravos libertos se lhes fosse dado direito de
trabalhar a imensa quantidade de terra ociosa de que o país dispunha.
Se tivesse percebido essa riqueza e libertado a terra junto com os
escravos, os ricos brasileiros teriam abolido a pobreza que os
acompanha ao longo de mais de um século. Se os latifúndios tivessem
sido colocados à disposição dos braços dos ex-escravos, a riqueza criada
teria chegado aos ricos de hoje, que viveriam em cidades sem o peso da
imigração descontrolada e com uma população sem miséria.
A pobreza de visão dos ricos impediu também de verem a riqueza que há na
cabeça de um povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os
nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos para
criar a riqueza que seria só deles, e ficaram pobres: contratam
trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos
equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados de
compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor, não sabem mudar o
mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos. Muito
mais rico seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde todos fossem
educados.
Para poderem usar os seus caros automóveis, os ricos construíram
viadutos com dinheiro de colocar água e esgoto nas cidades, achando
que, ao comprar água mineral, se protegiam das doenças dos pobres.
Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem contar com eles
todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem sem água e
sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem dificuldades em evitar
infecções porque os pobres trazem de casa os germes que os contaminam.
Com a pobreza de achar que poderiam ficar ricos sozinhos, construíram
um país doente e vivem no meio da doença.
Há um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza
é tão grave que a maior parte deles não percebe. Por isso a pobreza de
espírito tem sido o maior inspirador das decisões governamentais das
pobres ricas elites brasileiras. Se percebessem a riqueza potencial que há
nos braços e nos cérebros dos pobres, os ricos brasileiros poderiam
reorientar o modelo de desenvolvimento em direção aos interesses de
nossas massas populares. Liberariam a terra para os trabalhadores rurais,
realizariam um programa de construção de casas e implantação de redes de
água e esgoto, contratariam centenas de milhares de professores e
colocariam o povo para produzir para o próprio povo. Esta seria uma
decisão que enriqueceria o Brasil inteiro! Os pobres que sairiam da
pobreza e os ricos que sairiam da vergonha, da insegurança e da
insensatez.
Mas isso é esperar demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a
triste pobreza em que usufruem suas malditas riquezas.
Somos nômades do Universo, viajantes das vidas sucessivas, na busca do
aperfeiçoamento.
(Hammed)

2 comentários:

Mauricio Leal disse...

Marcelo, qual e a fonte desse belissimo texto ???

Anônimo disse...

Cristovam Buarque, meu presidente.

Abilio Couceiro.