2 de ago. de 2009
Saudade de Edwaldo Martins
O mundo de Edwaldo Martins, o colunista
Memória do Cotidiano - Lúcio Flávio Pinto
Há cinco anos morreu Edwaldo de Souza Martins, o mais importante colunista social da imprensa paraense. Por acaso, verifico que há 40 anos me tornei o primeiro dos seus interinos: enquanto Edwaldo saía de férias, para 25 dias no Rio de Janeiro (onde também carregaria algumas pedras, cobrindo a final do concurso de Miss Brasil, ainda de grande prestígio na época), no dia 3 de julho de 1968 saía, em A Província do Pará, a primeira coluna inteiramente escrita por mim. Nenhuma referência ao interino, que, nessa época, ainda estava a caminho dos 19 anos: a coluna continuou a ostentar o nome já destacado do seu titular.
Ao retornar ao batente, porém, Edwaldo foi elegante e carinhoso, como de hábito. Escreveu uma nota de agradecimento, revelando para o distinto público quem garantira a continuidade do espaço: “Lúcio Flávio Pinto, bom amigo e companheiro e excelente profissional, foi quem esteve com vocês, diariamente, ‘em frente’ da coluna, durante a ausência do titular. De sua atividade neste espaço lucraram os leitores. E só quem conhece bem a vida de um jornal sabe com que sacrifício Lúcio Flávio assumiu a responsabilidade, ele que tem mil e um afazeres, como jornalista, publicitário e universitário. Com o registro, o agradecimento muito grande do colunista àquele que tão bem soube informar, nestes 25 dias, aos leitores de ‘EM Frente’”.
De fato, não foi fácil. Exatamente nesse período eu passava a manhã inteira e parte da tarde na reportagem de A Província. Enquanto os turnos se revezavam, eu escrevia a coluna. Depois corria para a Mercúrio Publicidade, de Abílio Couceiro, onde fiz meteórica carreira. E emendava para a ocupação das faculdades, como parte do movimento nacional dos estudantes universitários contra o acordo MEC-USAID, varando as madrugadas, insone. Ah, a imortalidade da juventude!
Numa das vezes em que produzia a coluna, numa redação quase vazia, emerge um colunável irado. Eu antecipara a notícia do seu noivado, tirando a surpresa que preparava para a noiva e sua família. Não conhecia pessoalmente o distinto, só de ouvir falar. E me limitara a repassar o potin, mandado por uma das tradicionais fontes do Edwaldo. O homem gritava e gesticulava (mais que a medida certa para seu ofício). Vi-me obrigado a uma solução cirúrgica: “Está certo, o senhor tem razão. A partir de agora vou cortar tudo que me chegar a seu respeito”. O cidadão desconversou, se explicou, retificou e foi embora, desprovido de sua surpresa, mas com freqüência garantida na mais prestigiosa das colunas sociais.
Ajudei Edwaldo a conceber e executar a primeira delas, que, antes de EM Frente foi Alegria, Alegria, depois de sua página dominical sobre mulheres, também em A Província (Elas são notícia). Fiz o desenho, dei o título principal (começando com suas iniciais, desenhadas) e nomeei as seções fixas, como faria em todas as outras. Voltei a ser interino e, enquanto estive por perto, fui uma de suas fontes constantes, mesmo quando ele se mudou dos Diários Associados, sua melhor casa, para O Liberal, onde eu já era desafeto. Trabalhar com ele sempre foi uma fonte de aprendizado para mim. Didi Martins era um excelente repórter e tinha um texto de primeira. Além disso, era muito mais organizado do que eu e mais atento para os detalhes.
Sua curiosidade era inesgotável e sua disposição para atendê-la, invejável. Não falava outra língua além da sua, mas poliglotas o procuravam atrás de dicas e observações sobre paragens do exterior. Sempre interessado em tudo, Didi conseguia arrancar informações incríveis, que guardava na sua memória prodigiosa.
Era um dos melhores guias de Nova York, Miami e Paris, as cidades que mais visitou e das quais mais gostava. Quando a doença não lhe permitiu mais viajar, ele definhou. Nos últimos 10 anos de vida não foi uma única vez ao exterior. Além do mais, estava pessoalmente falido. Não por não ganhar bem, mas por gastar demais, sobretudo com os outros. Seu coração era do tamanho da sua alma: um latifúndio. Quando não pôde dar vazão ao que gostava de fazer, desistiu de viver. Não se suicidou, por convicção e por lhe faltar um tanto de coragem louca, a mesma que não teve para certas definições essenciais à sua vida. Mas se entregou às doenças que se sucederam, a partir do diabetes. Foi duro estar ao seu lado nos momentos finais. Quem merecia morrer fulminado por um enfarte numa festa ou em alto-mar, aos 80 ou 90 anos, foi-se em meio a dores horríveis, que precocemente o devastaram. Cavalheiro como só ele, morreu em julho, quando o socialite estava fora de Belém. Só os amigos voltaram a tempo de enterrá-lo.
Quantos? Uma migalha da fértil semeadura a que ele se dedicou nos 35 anos contínuos e intensos de colunismo social. O gênero é muito dado à futilidade, que é mesmo sua marca registrada. Mas uma coisa é desenvolver estilo, agir com graça, impor uma marca de sofisticação e um padrão de excelência. Outra é esse passar de chapéu a que se reduziu a parte preponderante do colunismo social em Belém. Edwaldo de Souza Martins escolhia e selecionava com critério, impondo exigências aos eleitos, cuidando de que a consagração de uma elite fosse mais do que operação de compra e venda. Além disso, era um verdadeiro agitador cultural, alguém que aglutinava pessoas, por mais diferentes e até opostas que fossem, desde que tivessem valor. Pelo exercício dessas qualidades, se transformou numa instituição de Belém, numa de suas mais férteis referências. Porque fazia o que gostava - e o que sabia fazer, como nenhum outro, antes e depois dele. Não surpreende que tenha deixado um vácuo enorme, sem possibilidade de preenchimento.
Esta edição da Memória homenageia não só o amigo, que partiu há cinco anos, no dia 17 de julho. Ela é dedicada, sobretudo, ao grande jornalista que ele foi. Selecionei algumas das notas que escrevi para a coluna nos 25 dias de sua ausência, naquele 1968 que chegava ao máximo do seu brilho, exatamente para depois declinar e eclipsar. Mesmo no Rio de Janeiro, mais distante do que hoje pelas dificuldades de comunicação, Edwaldo não deixava de ligar, pedir informações, fazer observações e avaliar a coluna sob o interino, ainda “cheiro verde”, meu apelido de adoção ao jornalismo, dado por Carlos Gomes Lopes. De vez em quando despachava um malote através da Varig, que era uma extensão do seu escaninho na redação do jornal.
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