16 de out. de 2011

Tchau Benê

Eu comecei a andar com meu avô.
E o incrível é que ele tinha uma máquina fotográfica e registrou.
Eu enorme, sempre um um bebê muito gordo, por conta dos medicamentos necessários para tratar uma infecção hospitalar que peguei ao nascer.
Meus avós se revezaram por quarenta dias no hospital até que saí.
Na casa de meus pais, uma parede infiltrada nos levou a morar com meus avós paternos por alguns anos.
Ali cresci com os regalos dos avós.
Meu avô, dizem, não gostava de criança.
Eu confesso que não lembro disso não.
Quando meu irmão nasceu eu com seis anos já morávamos em outra casa.
Lembro dos finais de semana onde meus pais nos deixavam na casa da vó Ida e do vô Dito.
Mudamos para Campo Grande e nesses 14 anos por lá víamos ele pouco, sempre nas férias onde íamos com minha vó Zola ficar na casa dos dois.
Meu avô tinha um Passat quatro portas, um carro de luxo na época e eu era todo orgulhoso do veículo.
Principalmente quando ainda morando em Rio Claro eles iam nos buscar na escola.
Já adulto, com uns 18 ou 20 anos eu voltei para Rio Claro.
Aí conheci o Benê de perto.
Ele já aposentado da Fepasa e fazendo bicos, ora como administrador da Cohab, ora como vendedor de biscoitos e bolachas, ora como cobrador de casa de peças automotivas.
Sempre foi um boa praça, querido por todos, solicitado por todos para ajudar em mil funções. Sempre serviu, desde a época do escritório na Fepasa até morrer nessa noite depois de ser atropelado por uma moto e ficar em coma desde o dia 28.
Achava que escaparia dessa, homem forte que sempre foi.
Ou melhor, eu queria que escapasse.
Ele era daqueles que nem resfriado pegava.
Mas a vida é assim, cheia de incertezas e com uma única certeza, que Deus nos chama uma hora.
Benedito Marques da Cruz foi um trabalhador honesto e integro, um homem de palavra e um cara espirituoso.
Levou a vida de forma leve na maior parte do tempo, foi um pai bravo para o meu pai quando ele era jovem, mas sempre disse que tudo isso era papo furado dele.
Talvez pela responsabilidade de criar uma família, pobre que era.
Depois do expediente na Fepasa, ia para o cinema ser lanterninha e nos finais de semana era garçon.
Mas foi na maturidade que ele se mostrou mais amoroso com todos nós.
Sempre estava aqui nas minhas festas e quando recebi o prêmio de Personalidade de Marketing da ADVB consegui marcar o evento para o dia de seu aniversário e de minha avó - faziam juntos aniversário.
Fizemos um bolo e cantamos parabéns no Hangar. Ele adorou.
Me prometeu que viria em Outeiro para passar o final do ano.
Não virá.
Sinto falta da casa pintada de verde dele, das horas de bate papo e de sua invejável memória.
Sentirei falta das suas brincadeiras constantes, de sua birra com o Timão, de seu abraço e de suas teimosias.
Sentirei falta da sua amizade, da sua alegria.
Já sinto na verdade.
Tratei meu avó com todo carinho que pude, ajudei sempre, tentei ser um bom neto.
Porque ele merecia.
E porque essa era mina vontade.
Homem de letra linda, vaidoso, arrumado sempre.
Dele herdei o amor pelos relógios e pelos bonés.
Não soube ainda como herdar o modo de levar a vida leve, como se estivesse a passeio.
Eu o invejo por isso.
Sentávamos na cadeira na calçada e ele ficava ali a contar as suas histórias, a falar com uma lucidez incrível das coisas atuais, a ser cumprimentado por quem quer que passasse.
Sinto falta do seu fusca, da sua caipirinha, do seu ronco.
Fui um cara privilegiado por ter ele ao meu lado, mais que um avô, um amigo.
Que distribuía minhas revistas na cidade Natal com um orgulho enorme, que fazia de mim uma figura maior que eu sou para todos por lá.
Hoje penso em minha avó, em como ela vai sentir essa perda.
Se eu pudesse estaria no seu lugar.
Se eu pudesse pediria apenas mais uma hora de papo furado, na calçada, na mesa da cozinha, dentro do carro, em qualquer lugar.
Quando vinha para cá era uma festa, todos aqui viviam em torno dele, do que gostava de comer, de beber, de fazer.
Meu avô que tanto amo nos deixou.
E hoje sinto um vazio enorme, que divido com vocês aqui.
Aproveitem se ainda tiverem um avô vivo.
A vida passa rápido.
Talvez eu pudesse ter ficado mais com ele.
Talvez eu pudesse ter feito mais por ele.
Talvez....
Te amo Benê.

7 comentários:

kah disse...

"Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder" Steve Jobs
Quem sabe um dia a gente aprende... que nunca se deve deixar para amanhã o que podemos fazer hoje... aprendemos a ouvir mais... a dizer mais... a conviver mais... mas o mais, nunca é o suficiente qdo se ama... até o eterno vira pouco!

Adelina Braglia disse...

Prezado Marcelo,

meu avô era um imigrante italiano,que aportou em Santos, num dos primeiros navios de "carga" do século XIX. Sua sabedoria transformou-se em letras somente aos 63 anos, quando aprendeu a ler.

Seu afeto por nós, as crianças, - eu tinha o privilégio de ser a neta mais velha - era medido nas latinhas de bgoiabada que ele transformava em pratos, martelando as bordas para tirar os arrebites de metal para que ninguém se machucasse. As crianças não comiam am pratos de vidro. Eles eram reservados aos adultos.

Eu o perdi há muitos, muitos anos. A dor inicial da perda foi sendo substituída pelas lembranças amorosas. São as que me acompanham até hoje.

Um abraço fraterno rpa você.

Anônimo disse...

Caro Marcelo, depoimento emocionante, tocante, tenha o conforto do TodoPoderoso em seu caminho e paracaqueles que amavam seu avo, cordial abraco.
Joe Leitao

Anônimo disse...

Marcelo,

Meu conforto pela perda de seu avô. Cada vez mais você demonstra todo o carinho que tem por sua família. Isso é muito bonito.

Orly Bezerra

Anônimo disse...

sabe cara, nunca conheci o bene mais do jeito q vc o descreveu sentirei falta dele...ouvir falar certo dia q nos eternizamos pelas lembranças q ficam...acho isso verdadeiro...sempre buscamos ser o "ser" eterno, as vezes esquecemos q construimos isso dia-a-dia...bené é um desses caras, será eterno, q bom que vc vai poder (tb, além dos relogios e bonés), ser aquilo que o bené lhe ensinou sem vc perceber: ser um bom avô. meus sentimentos e que figuraço esse bené...

Anônimo disse...

O meu amigo,que Deus te proteja hoje e sempre.o Benê ta na companhia de Deus agora.beijos Cristina

Rizaldo Souza disse...

Fala Marcelo, Um cara Bacana, esse pelo visto é o seu avô, pois, ninguém morre. Como diz João Nogueira em seus versos " A VIDA É MESMO UMA MISSÃO, A MORTE É UMA ILUSÃO, SÓ SABE QUEM VIVEU, MAS QUANDO O ESPELHO É BOM, NINGUÉM JAMAIS MORREU". Você é um privilegiado por ter tido o convívio com quem te amou e te ensinou tanto. O melhor ainda encontraras ele novamente em condições de felicidade bem diversa desta, mas real, eterna. Deus te abençõe sempre meu irmão. Muita Luz e Paz a vocês...família..Grande abraço..
Rizaldo Souza