Às 08H20M eu deixei o apartamento do Deputado Jader Barbalho: desincumbia-me da missão confiada pela Governadora na madrugada.
A primeira eleição, a do Presidente da Assembléia Legislativa, não mais nos preocupava, pois o Deputado Juvenil era o único candidato.
A eleição da Mesa Diretora, com duas chapas, e a determinação da Governadora em romper com o PMDB caso sofresse uma derrota, era a nossa questão: tínhamos certeza de que se ela insistisse na chapa seria derrotada.
Só havia uma maneira de Sua Excelência não perder: não disputar. Como convencer o PSDB, ou o Palácio dos Despachos a recuar, era o desafio.
O Palácio da Cabanagem estava tenso quando eu desci as escadas que levam ao átrio do Plenário.
No final dos degraus fui abordado pelos deputados Haroldo Martins, Márcio Miranda e José Neto. O primeiro fitou-me com gravidade e perguntou se estava em andamento uma operação para entregar a Mesa Diretora ao Governo.
Cobrou-me a posição como alavanca à decisão que tomariam incontinenti, pois, 30% da chapa que tinha o PSDB na 1ª vice-presidência estava composta pelo G8: caso o PMDB estivesse se reposicionando eles se amotinariam.
Respondi que tentaríamos um acordo, pois não desejaríamos constranger a Governadora com uma derrota, mas, caso não lográssemos êxito, a posição do PMDB estava mantida.
A minha presença no CIG, na véspera, causara desconfiança em todos que estavam na chapa que montáramos: passei cerca de 30 minutos recompondo e ratificando posições.
Dentro do Plenário procurei o líder do PSDB, que ratificou a sua confiança na posição do PMDB. Consultei-lhe a disposição de um acordo: o PSDB mover-se-ia para a 2ª vice-presidência e o Deputado João Salame, na chapa como tal, ascenderia à 1ª vice-presidência; com isto eu achava que poderíamos convencer o Governo a desistir de lançar uma chapa e evitaríamos a disputa.
O líder do PSDB refutou. Providencie a semeadura da hipótese aos seus demais pares, à guisa de preveni-los a considerar o convencimento do líder.
O celular tocou. Subi ao pedestal da Mesa Diretora: a voz do outro lado da linha avisava-me que chegara ao Palácio da Cabanagem o Chefe de Gabinete do Governo e, sintomaticamente, a pessoa do Governo que operava o pagamento das emendas parlamentares: o governo acabara de instalar um comando dentro do Palácio da Cabanagem.
Comecei, mnemonicamente, a listar os parlamentares que poderiam ser convencidos pelo comando do Palácio dos Despachos. Não mais ouvi o meu interlocutor, que me revelava o local de operações, mas, que me pareceu ser o gabinete do líder do Governo, Deputado Airton Faleiro.
Pedi a um parlamentar que se dirigisse ao local e lá se plantasse, passando-me as informações. Comuniquei o fato ao Deputado Juvenil.
Da parte mais alta, onde está a Mesa Diretora, olhei o Plenário: uns taciturnos; outros avizinhados, em exercícios de previsão diante da incerteza que tomava conta do momento: todos tensos e gravemente incomodados.
A cena mostrava que eu deveria investir na solução apresentada ao líder do PSDB. Havia na Assembléia Legislativa a vontade de uma saída negociada: os deputados desejavam o fim da crise, não pela vitória, tampouco pela derrota.
Subi à Presidência e pedi ao Deputado Juvenil que apressasse a primeira eleição. Passei-lhe uma mensagem enviada pelo Deputado Jader Barbalho. Ele aquiesceu. Descemos e ele convocou a Assembléia ao voto.
Durante o processo de votação, colhi que estava consolidada a chapa com o PSDB na 1ª vice-presidência: não havia chance de vitória do Governo.
Aproximei-me do líder do Governo e, com toda a firmeza que pude emprestar ao tom, sem atravessar para a rudeza, instei-lhe a convencer o Palácio dos Despachos a desistir da disputa ou perderiam.
Pontuei-lhe que, em sendo aquilo um pretexto para romper com o PMDB, que o fizesse sem expor a Governadora à derrota iminente.
Repeti a fala como o líder do PT, Deputado Carlos Martins, que aquiesceu preocupado.
Fiz uma ligação ao Puty. Passei-lhe o quadro e insisti que o Governo não deveria disputar. Ele pediu-me tempo.
A votação quase unânime no Deputado Juvenil - 40 deputados votaram; 39 votos em seu nome e um em branco - não foi suficiente para aliviar a tensão do plenário.
O Presidente recém reeleito anunciou que a Assembléia seria suspensa por uma hora para os preparativos da eleição da Mesa Diretora. Era o tempo que houvéramos combinado para tentar a solução do impasse: o desafio de fazer em 1 hora o que não fizéramos em 4 dias.
Procurei o líder do PSDB e novamente apelei a ele. Imediatamente fez-se uma aglomeração em nosso redor. O Deputado Bosco Gabriel falou em favor do acordo que eu houvera proposto. Senti o Deputado Megale considerar. A Assembléia apelava ao PSDB. A instância não mais era do PMDB, mas da Casa.
O líder do PSDB convidou os seus partidários à sala de reuniões vizinha ao Plenário. Chamou-me para segui-los. O G8 fez-se na marcha.
A meio caminho o meu celular tocou: era o Puty, chamando-me a ir ter com ele no Gabinete do Deputado Miriquinho. Pedi que me aguardasse: decidi que era mais importante ir à direção do vento que soprara desde o Plenário.
Uma vez na sala, o PSDB discutia o porquê de recuar: não queriam atender à Governadora. Fazia-se um coro de razões e contra-razões de todas as direções. Eu tinha certa dificuldade em concatenar as falas, para emitir um juízo de convencimento.
Ouvi, no meio das razões, uma frase, em tom quase tímido, que me pareceu a alavanca que levantaria a inflexão: “Não se trata mais de atender a Governadora, mas de atender a Assembléia Legislativa!”
Era uma voz feminina. Olhei à procura da dona. Sentada em cima da mesa onde se reúnem as comissões, a Deputada Ana Cunha parecia um bibelô: a tensão a pintara pálida; as pernas paradas não tocavam o chão; as mãos, apoiadas na própria mesa, emprestavam-lhe o ar que me fez compará-la àquelas estatuetas frágeis de porcelana. Brinquei com a imagem pesando, com meus botões: se ela cair daí ela quebra.
Emprestei, imediatamente, a frase da Deputada Ana Cunha e, em tom firme, repeti-lhe a fala.
Talvez ela não saiba, mas, foi a partir desta idéia que o PSDB venceu a sua própria resistência: era a razão que o partido queria para ceder. Não se tratava de atender o Governo, mas, de ouvir o apelo do próprio Parlamento.
O Deputado Adamor Aires sugeriu então que se chamasse o Presidente Juvenil para participar da conversa.
O Deputado Juvenil entrou na sala com a autoridade que a reeleição lhe compusera e sentou-se no meio da roda que se formara.
Após eu lhe ter apropriado o que se passava, ele tomou a palavra e teceu as suas ponderações: a fala foi extremamente bem colocada. Se espaços havia para apresentar-lhe contra-razões, eles eram apertados.
O líder do PSDB pediu para que todos se retirassem, exceto os seus pares de partido e o próprio Presidente Juvenil: queriam falar em pequeno comitê.
Sai, juntamente com os outros deputados, já com a confiança no acordo. O Deputado João Salame e o Deputado Ítalo Mácola inverteriam as respectivas posições na chapa; este viria para 2º vice-presidente e aquele para 1º: era a única modificação a fazer para resolver o problema.
Fiz dois telefonemas e tive a aquiescência para assim insistir. Voltei à sala. O Deputado Megale já houvera aceitado a recomposição, à contra gosto de apenas dois membros do PSDB.
Sai novamente e dei a boa nova ao plenário: imediatamente o clima distendeu. Telefonei ao Puty e à Governadora, comunicando que o acordo estava feito e que ela poderia abortar a chapa palaciana. O Deputado Juvenil já lhe houvera participado o fato.
Liguei para o Deputado Jader Barbalho, que quis saber os detalhes do acordo e, ao cabo, folgou ao constatar que saíra como planejado.
Assim terminou aquela que, segundo deputados mais antigos da Casa, foi a eleição mais tensa e trabalhosa de que se tem notícia: todos festejaram uma vitória que não foi de ninguém. O verdadeiro júbilo foi ter-se evitado uma derrota que seria de todos.
Sai do Palácio da Cabanagem por volta das 13H40M. Fui à Governadora, que estava alegre e descontraída, em uma mesa do Mangal das Garças, onde o núcleo do Governo fazia a festa.
Fui cumprimentar o PSDB, que se fazia à mesa na Estação das Docas: eles foram fundamentais na solução da crise.
Detive-me por pouco tempo nos dois protocolos: estava ansioso para despir-me do terno e poder, à paisana, sentar na calçada da Deli Cidade: há quatro dias eu não degustava o meu menu favorito: ciabata com manteiga e café com leite.
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